Decisão Monocrática: Agravo de Instrumento nº 2007.010529-1/0000-00, da comarca da Capital/Distrital do Norte da Ilha.
Relator: Des. Victor Ferreira.
Data da decisão: 26.04.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 196, edição de 03.05.2007, p. 393.
Agravante : Joice Maria dos Santos
Advogados : Nilton João de Macedo Machado e outro
DESPACHO
I - JÓICE MARIA DOS SANTOS interpôs Agravo de Instrumento, com pedido de concessão de efeito suspensivo, contra decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da Comarca da Capital/Distrital do Norte da Ilha que, no Arrolamento dos bens deixados por VILMAR MANOEL DOS SANTOS, determinou-lhe que se manifeste sobre a existência de netos do Autor da Herança, assim como junte a certidão de casamento do autor da herança, porquanto a Escritura Pública de Renúncia e Abdicação de Direitos Hereditários apresentada impõe a aplicação do disposto no art. 1.810 do Código Civil.
Alega, em síntese, que o ato formalizado naquela escritura pública configura renúncia abdicativa, porquanto manifestada antes de os filhos do Inventariado terem aceito a herança; os renunciantes, assim, foram excluídos da sucessão. Logo, na hipótese não há que se falar em direito de representação da única neta do Autor da Herança, visto que inocorreu ausência, indignidade ou deserção do representado.
Conclusão diversa permitiria que esta herdasse também a parte de sua tia, que nem herdeiros possui, o que entende absurdo.
Após asseverar que o recolhimento do imposto de transmissão acarretar-lhe-á prejuízos, ao passo que a suposta herdeira nenhum dano suportará caso a decisão agravada seja sobrestada, postula a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o seu provimento, com a reforma em definitivo da decisão objurgada.
II - O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade.
III - Segundo o art. 522, caput, do Código de Processo Civil, na redação que lhe deu a Lei n. 11.187/05, a insurgência contra decisões interlocutórias deve se dar, como regra, através de agravo na forma retida; o agravo por instrumento, com efeito, passou a ser cabível apenas nas seguintes hipóteses: a) decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; b) inadmissão da apelação; e c) casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. Caso nenhuma delas se faça presente, deverá o Relator converter o agravo de instrumento em agravo retido, conforme preceitua o art. 527, II, do CPC, em sua nova redação.
A decisão guerreada não deixou de receber recurso de apelação e tampouco deliberou sobre os efeitos em que este é recebido. Resta, pois, analisar se aquele decisum é suscetível de causar lesão grave e de difícil reparação à parte agravante.
Esta análise, saliente-se, deve ser feita sob a perspectiva de que, convertido o agravo de instrumento em agravo retido, a pretensão recursal somente será analisada quando do julgamento da apelação que eventualmente for interposta contra a sentença prolatada nos autos originários, caso requerido.
Neste caso, patente a possibilidade de lesão, visto que a decisão agravada poderá importar na atribuição da herança à neta do Inventariado, enquanto o que se defende neste recurso é a sucessão apenas pela cônjuge supérstite. Permitir a análise deste reclamo apenas quando do julgamento da apelação fere o princípio da economia processual, visto que se dará seguimento ao processo principal, com a participação do Ministério Público, inclusive, sem que nenhum ato possa ser aproveitado se a pretensão da Agravante vier a ser acolhida.
Assim, o reconhecimento do cabimento do reclamo é medida que se impõe, razão pela qual dele se conhece.
IV - Os artigos 527, III, e 558 do Código de Processo Civil, prevêem a possibilidade de concessão de efeito suspensivo ou antecipação da tutela recursal, a requerimento da parte agravante, “nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação” (sem grifo no original).
Tal possibilidade, contudo, é excepcionalíssima e se condiciona ao preenchimento dos requisitos exigidos pela lei. Saliento, no entanto, que a sua análise é feita segundo uma apreciação perfunctória, pautada no aproveitamento do provimento jurisdicional. Logo, é tutela de urgência, que não se aprofunda na análise do mérito.
Nos termos da Escritura Pública de Renúncia e Abdicação de Direitos Hereditários acostada às fls. 66-67, os dois únicos filhos do Inventariado formalizaram naquele ato “seu desejo de renunciar (renúncia abdicativa/pura e simples) aos direitos hereditários, como de fato renunciado assim o têm a título gratuito”.
Assim é que entende a Agravante que na condição de cônjuge supérstite é a única herdeira do Inventariado, conforme preceitua o art.
1.829 do Código Civil.
A considerar-se aquele ato renúncia pura e simples, conforme defende, não lhe assiste razão.
É bem verdade que “ninguém pode suceder representando herdeiro renunciante”, como se afirmou à fl. 10 da minuta recursal. Isto pela simples razão de o renunciante nada incorporar, a tal título, ao seu patrimônio, porquanto os efeitos da renúncia retroagem à data da abertura da sucessão. É, pois, como se nunca tivesse sido herdeiro.
O caso dos autos, porém, não retrata hipótese de representação, em que a sucessão se dá por estirpe; tendo os dois descendentes em primeiro grau renunciado ao seu quinhão hereditário, a neta do Inventariado, única descendente em segundo grau, herda por direito próprio a totalidade da herança, já que o regime de casamento pelo qual aquele se uniu à cônjuge sobrevivente é o da comunhão universal de bens (fl. 111). Não herda, ressalte-se, porque é filha de herdeiro, mas sim por ser a descendente mais próxima do Autor da Herança em condições de herdar.
Nesse sentido, ditam os arts. 1.810 e 1.811, ambos do Código Civil:
Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente. (sem grifo no original)
Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça. (sem grifo no original)
Atente-se que na ordem da sucessão legítima estão, em primeiro lugar, os descendentes, em concorrência, quando for o caso, com o cônjuge sobrevivente, consoante estabelece o art. 1.829, I, do Código Civil.
Descendentes, é válido salientar, não são apenas os filhos, mas também os netos, bisnetos e assim por diante.
Todavia, e seguindo a lógica daqueles dois artigos, dita o art. 1.833 do CC que “Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação”. Os netos, então, só herdarão por direito próprio se nenhum filho estiver em condições de herdar, seja porque pré-morto(s), seja porque renunciou(aram) aos seus direitos hereditários. Nesse caso, herdam como se filhos fossem, visto que únicos descendentes de sua classe.
No caso dos autos, repise-se, os dois descendentes em primeiro grau renunciaram aos seus direitos hereditários e, segundo narra a minuta recursal, o Inventariado deixou uma neta, a única da classe dos descendentes em segundo grau.
Se assim é, a falta de filhos não importa no chamamento dos herdeiros seguintes na ordem de sucessão - ascendentes e cônjuge supérstite - , como quer a Recorrente, mas da descendente ainda em condições de herdar, porque não renunciou ao seu quinhão.
Logo, é ela a única herdeira, já que a viúva não concorre na hipótese (fl. 111).
Colhe-se, a respeito, da lição de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:
Nos termos dos artigos 1.588 e 1.589 do Código Civil de 1916, mantidos pelos artigos 1.810 e 1.811 do NOVO CÓDIGO CIVIL, ninguém pode suceder representando herdeiro renunciante. Sua cota na herança acresce aos outros herdeiros em sua classe, ou se houver renúncia de todos os outros da mesma classe, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio e por cabeça. (in Inventários e partilhas: direito das sucessões: teoria e prática, 19 ed., São Paulo: Universitária de Direito, 2005, p. 58 - sem grifo no original)
Assim, como enfatiza Cristiano Chaves de Farias, “os descendentes do renunciante não herdam, salvo se todos da mesma classe estiverem fora da sucessão ou se não existirem outros herdeiros na mesma classe.
Repita-se à exaustão que herdam, nessa hipótese, por direito próprio (por cabeça) e não por estirpe” (in Direito das sucessões e o novo código civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 50-51 - sem grifo no original).
Válido reproduzir, por fim, os seguintes exemplos, colhidos das doutrinas de Silvio Rodrigues e de Salomão de Araujo Cateb, respectivamente:
(...) se o de cujus tinha dois filhos, bem como filhos de um e de outro filho, e se aqueles renunciaram à herança, a sucessão será deferida a seus netos - em virtude do fato de serem netos -, desprezada sua condição de filhos de renunciante. Esses netos herdarão por cabeça e por direito próprio. (in Direito das Sucessões, v. 7, 26 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 62)
(...) se o falecido deixou três filhos, são parentes do de cujus em primeiro grau, enquanto os netos são parentes em segundo grau. Quando os três filhos renunciam, não mais prejudicam os netos, porque não haverá a “classe” dos “filhos”, isto é, os que estão em primeiro grau: a renúncia dos filhos provoca o chamamento dos herdeiros em segundo grau. (in Direito das sucessões, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 61)
Chama a atenção, porém, as sucessivas afirmações da Inventariante, no sentido de que a intenção dos filhos do Inventariado ao formalizar aquela renúncia era de transferir a ela, e não à neta, os bens que comporiam seus quinhões.
Nesse sentido, consta no item VII da petição de fls. 31/33: “Enfatiza-se que os herdeiros - que são também sócios da empresa - são maiores e capazes, e que abdicarão seus quinhões em favor da viúva-inventariante”. Também é o que se afirmou ao final da fl. 110:
“ficando todo o monte para a inventariante, o que consolida não só a vontade dos herdeiros, mas do falecido e da lei, representada na sua interpretação aqui trazida”.
Pondere-se, ademais, que não raro se praticam atos de renúncia no intuito único de transferir a totalidade de bens ao cônjuge supérstite sem a incidência do imposto inter vivos. Ao que tudo indica, mormente porque a Agravante asseverou à fl. 12 sua intenção de não recolher esse tributo, é o que ocorreu neste caso. A tentativa, contudo, foi frustrada.
Destarte, houve, em tese, erro de direito, em face do qual a renúncia em questão poderá vir a ser anulada (art. 138 e seguintes do CC), ainda que não se admita sua revogação (art. 1.812 do CC).
Nesse contexto, mais prudente e razoável suspender-se a decisão agravada até que a Câmara à qual o recurso for redistribuído decida em definitivo a questão, evitando-se assim que o processo originário tenha prosseguimento, com a prática de atos que culminem na atribuição da herança à neta do Inventariante, quando não é esta a vontade de qualquer dos outros descendentes.
V - Por tais razões, concedo o efeito suspensivo almejado.
Comunique-se, com urgência, ao Juízo a quo.
Após, à redistribuição.
Intime-se.
Florianópolis, 26 de abril de 2007.
Victor Ferreira
Relator
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Sucessão legítima. Netos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2008, 14:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /13482/tjsc-civil-sucessao-legitima-netos. Acesso em: 28 nov 2024.
Por: CARLA GIOVANNA ALMEIDA MOURA
Por: FILIPPE CARDEAL NASCIMENTO
Por: Fernando Marrey Ferreira
Por: Juliana Gavioli da Silva
Por: Nivaldo Rodrigues de Souza
Precisa estar logado para fazer comentários.